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Recife, Pernambuco, Brazil
O Blog Educar com Cordel é editado pelo poeta e escritor Paulo Moura, Professor de História e Poeta CORDELISTA. Desenvolve o projeto EDUCAR COM CORDEL que visa levar poesia e literatura de cordel para as salas de aula, ensinando como surgiu a Literatura de Cordel, suas origens, seus estilos, suas heranças. O Projeto Educar com Cordel é detentor do Prêmio Patativa do Assaré de Literatura de Cordel do MINC (Ministério da Cultura).

domingo, 13 de dezembro de 2009

A HORA DO CORDEL

NO TEMPO DA MINHA INFÂNCIA
( para minhas sobrinhas Tamires, Jade e Vitória )
 
No tempo da minha infância
Nossa vida era normal
Nunca me foi proibido
Comer muito açúcar ou sal
Hoje tudo é diferente
Sempre alguém ensina a gente
Que comer tudo faz mal             1
 
Bebi leite ao natural
Da minha vaca Quitéria
E nunca fiquei de cama
Com uma doença séria
As crianças de hoje em dia
Não bebem como eu bebia
Pra não pegar bactéria               2
 
A barriga da miséria
Tirei com tranquilidade
Do pão com manteiga e queijo
Hoje só resta a saudade
A vida ficou sem graça
Não se pode comer massa
Por causa da obesidade            3
 
Eu comi ovo à vontade
Sem ter contra indicação
Pois o tal colesterol
Pra mim nunca foi vilão
Hoje a vida é uma loucura
Dizem que qualquer gordura
Nos mata do coração                4
 
Com a modernização
Quase tudo é proibido
Pra tudo tem uma Lei
Que nos deixa reprimido
Fazendo tudo que eu fiz
Hoje me sinto feliz
Só por ter sobrevivido                5
 
Eu nunca fui impedido
De poder me divertir
E nas casas dos amigos
Eu entrava sem pedir
Não se temia a galera
E naquele tempo era
Proibido proibir                          6
 
Vi o meu pai dirigir
Numa total confiança
Sem apoio, sem air-bag
Sem cinto de segurança
E eu no banco de trás
Solto, igualzinho aos demais
Fazia a maior festança              7
 
No meu tempo de criança
Por ter sido reprovado
Ninguém ia ao psicólogo
Nem se ficava frustrado
Quando isso acontecia
A gente só repetia
Até que fosse aprovado              8
 
Não tinha superdotado
Nem a tal dislexia
E a hiperatividade
É coisa que não se via
Falta de concentração
Se curava com carão
E disso ninguém morria             9
 
Nesse tempo se bebia
Água vinda da torneira
De uma fonte natural
Ou até de uma mangueira
E essa água engarrafada
Que diz-se esterilizada             
Nunca entrou na nossa feira       10
 
Para a gente era besteira
Ter perna ou braço engessado
Ter alguns dentes partidos
Ou um joelho arranhado
Papai guardava veneno
Em um armário pequeno
Sem chave e sem cadeado        11
 
Nunca fui envenenado   
Com as tintas dos brinquedos
Remédios e detergentes
Se guardavam, sem segredos
E descalço, na areia
Eu joguei bola de meia
Rasgando as pontas dos dedos    12
 
Aboli todos os medos
Apostando umas carreiras
Em carros de rolimã
Sem usar cotoveleiras
Pra correr de bicicleta
Nunca usei, feito um atleta,
Capacete e joelheiras                13
 
Entre outras brincadeiras
Brinquei de Carrinho de Mão
Estátua, Jogo da Velha
Bola de Gude e Pião
De mocinhos e Cawboys
E até de super-heróis
Que vi na televisão                    14
 
Eu cantei Cai, Cai Balão,
Palma é palma, Pé é pé
Gata Pintada, Esta Rua
Pai Francisco e De Marré
Também cantei Tororó
Brinquei de Escravos de Jó
E o Sapo não lava o pé              15
 
Com anzol e jereré
Muitas vezes fui pescar
E só saía do rio
Pra ir pra casa jantar
Peixe nenhum eu pegava
Mas os banhos que eu tomava
Dão prazer em recordar             16
 
Tomava banho de mar
Na estação do verão
Quando papai nos levava
Em cima de um caminhão        
Não voltava bronzeado
Mas com o corpo queimado
Parecendo um camarão             17
 
Sem ter tanta evolução
O Playstation não havia
E nenhum jogo de vídeo
Naquele tempo existia
Não tinha vídeo cassete
Muito menos internet
Como se tem hoje em dia          18    

  
O meu cachorro comia
O resto do nosso almoço
Não existia ração
Nem brinquedo feito osso
E para as pulgas matar
Nunca vi ninguém botar
Um colar no seu pescoço          19    

              
E ele achava um colosso
Tomar banho na mangueira
Ou numa água bem fria
Debaixo duma torneira
E a gente fazia farra
Usando sabão em barra
Pra tirar sua sujeira                   20  

                
Fui feliz a vida inteira
Sem usar um celular
De manhã ia pra aula
Mas voltava pra almoçar
Mamãe não se preocupava
Pois sabia que eu chegava
Sem precisar avisar                   21  

                
Comecei a trabalhar
Com oito anos de idade
Pois o meu pai me mostrava
Que pra ter dignidade
O trabalho era importante
Pra não me ver adiante
Ir pra marginalidade                   22    

Mas hoje a sociedade
Essa visão não alcança
E proíbe qualquer pai
Dar trabalho a uma criança
Prefere ver nossos filhos
Vivendo fora dos trilhos
Num mundo sem esperança      23     

A vida era bem mais mansa,
Com um pouco de insensatez.
Eu me lembro com detalhes
De tudo que a gente fez,
Por isso eu tenho saudade
E hoje sinto vontade
De ser criança outra vez...         24
 
 Ismael Gaião - Recife, 11/12/09

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